Quadro adverso da economia não impede que grandes e pequenas empresas toquem projetos de expansão apostando que, quando a tempestade passar, vão colher faturamento bem maior. Mas é preciso sangue-frio
Crise? Que crise? Enquanto muita gente no Brasil refaz contas e planos para reduzir gastos e se adaptar a um quadro preocupante da economia, gigantes do setor produtivo e pequenos empreendedores espalhados pelo país não temem enfrentar os ventos contrários e apostam na retomada da atividade, mesmo que não tenham ideia de quando e como isso vá ocorrer.
No caso dos exportadores, o cenário atual assusta pouco e ainda cria oportunidades. A disparada do dólar, por exemplo, ilustra, em grande parte, o clima de desconfiança dos investidores. O avanço da moeda norte-americana frente ao real torna a vida mais cara, pressiona a inflação já alta e resistente, mas, na contramão desses reflexos, arranca euforia de quem vende para o exterior.
A Fibria, maior produtora e exportadora de celulose do mundo, está desatrelada da desorganização da economia nacional. O fator que mais ajuda no momento é justamente o câmbio. A cotação na casa dos R$ 3,20 favorece o balanço da empresa, cuja receita é 100% em dólar. "A geração de caixa da empresa vai aumentar", diz o diretor de Finanças e Relações com Investidores, Guilherme Cavalcanti.
Como produz eletricidade - para consumo e para venda -, a Fibria também passa ao largo da crise energética. Este ano, quando a economia do Brasil deve encolher 1,5%, a empresa investirá R$ 1,7 bilhão somente em melhoria dos processos e em áreas como manutenção e inovação. O montante é 8% maior do que o aplicado em 2014.
Resultado da fusão da Aracruz e da Votorantim Celulose, a Fibria avalia investimento de US$ 2,5 bilhões - sim, em dólares - para elevar a capacidade da fábrica em Três Lagoas (MS) do volume atual de 1,3 milhão de toneladas para 3 milhões de toneladas por ano, tornando-a a maior fábrica de celulose do planeta. Motivo: o aumento da demanda por celulose nos países emergentes, onde a população está tendo mais acesso a produtos básicos, como papel higiênico. Trata-se de um mercado gigante quase imune às turbulências que sacodem o mundo.
A crise também não intimidou a Neoenergia, controlada pela espanhola Iberdrola em associação com o Banco do Brasil e o fundo de pensão dos funcionários da instituição financeira, a Previ. A meta é direcionar R$ 5,7 bilhões na ampliação dos negócios até o fim de 2016, dos quais R$ 3,1 bilhões neste ano. A maior parte dos recursos financiará obras das hidrelétricas nas quais a companhia tem participação, como a de Belo Monte, no Pará. A meta, considerando todas as usinas da companhia, é elevar a capacidade instalada dos atuais 1,6 mil para 4 mil megawatts (MW).
Para os especialistas, há investimentos que são considerados inadiáveis. Ou as empresas bancam ou correm o risco de perderem mercados, sobretudo quando a economia estiver funcionando a pleno vapor. O economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, prevê um tombo forte para a atividade em 2015, de 1,5%, mas acredita que, com a casa arrumada e o ajuste fiscal mostrando resultado, o Produto Interno Bruto (PIB) poderá avançar 1,5% no que vem. É pouco para as necessidades do país, mas pode sinalizar o início do fim da atual crise.
Na tentativa de mostrar que, em meio à desconfiança, há boas notícias, Barros lista, semanalmente, investimentos que podem ajudar o Brasil a sair do atoleiro. No mais recente levantamento, ele mostra que a Embraer promete aplicar US$ 650 milhões em 2015. Já o grupo siderúrgico Gerdau prevê aporte de R$ 1,9 bilhão em seus negócios neste ano. A empresa de telecomunicações Sky, por sua vez, investirá R$ 1,3 bilhão na construção de um novo Centro de Transmissão em Jaguariúna, interior de São Paulo. O empreendimento deve ficar pronto em 2016.
Não é só: a empresa de alimentos Marfrig gastará R$ 650 milhões para ampliar a capacidade de produção; o grupo GJP Hotels & Resorts destinará R$ 500 milhões na construção de 11 hotéis no país até 2019; o porto de Paranaguá (PR) receberá investimentos de R$ 394 milhões em obras de drenagem e aprofundamento do canal de acesso; e a Tishman Speyer, desenvolvedora e gestora de fundos de imóveis de alto padrão, em parceria com a Caparaó e Codeme, investirá R$ 350 milhões na construção de um complexo corporativo em Nova Lima (MG). Ou seja, nem tudo está perdido.
Mas é preciso coragem, reconhecem os pequenos empreendedores que insistem em montar o próprio negócio, mesmo com o clima adverso. Eles sabem que os indicadores econômicos não são nada animadores e não têm garantia alguma de que a conjuntura voltará a ser favorável a tempo de sustentar os investimentos. Mas, nesses casos, pesam mais a audácia, a resistência e um mínimo de esperança.
Momentos de apreensão e de dificuldades costumam ajudar a depurar o mercado, sustenta Claudio Micielli, diretor da Associação Brasileira de Franchising no Centro-Oeste. Os "mais fracos", emenda ele, geralmente ficam pelo caminho diante da turbulência. "Ninguém está imune à crise, claro, mas acaba existindo uma espécie de seleção natural", diz.
O otimismo pode prevalecer, mas não abre brecha para aventuras, pondera Micielli. Pelo contrário. No aperto, o mercado tende a ser ainda mais intolerante com os erros. Sem cautela e sem informação para avaliar a profundidade e a extensão da crise, crescem as chances de a estratégia dar errado. "As oportunidades existem, mas têm de ser descobertas", sustenta.
"Saí da zona de conforto"
Foi no meio da crise mundial de 2008, estourada nos Estados Unidos, que a marca de fast-food Giraffas iniciou o processo de internacionalização. A quebradeira de bancos e a atividade degringolando serviu de estímulo para que os executivos brasileiros encontrassem boas possibilidades de fechar negócio fora do Brasil. Desde a primeira inauguração, o Giraffas abriu 11 lojas na Flórida. Até 2018, a meta é atingir 50 unidades nos Estados Unidos. Para isso, o grupo constituiu um fundo com aportes de franqueados que soma US$ 50 milhões. O crescimento do faturamento médio da rede nascida em Brasília tem se mantido em 7% ao ano.
O médico Luiz Antônio Poti, 40 anos, não teme as crises. Seis anos atrás, quis reinventar a carreira e abriu a primeira franquia da marca de sapatos masculinos Sergio"s na capital federal. Havia, à época, uma apreensão sobre como o Brasil reagiria à turbulência mundial. Poti preferiu se agarrar às promessas de crescimento da economia brasileira e ao aumento do consumo das famílias.
Em outubro do ano passado, enquanto a presidente Dilma Rousseff se reelegia em uma votação apertada, o médico se concentrava na abertura da terceira unidade da franquia mineira. A atual crise acabou facilitando a negociação com um shopping da cidade que despertava o interesse dele há um bom tempo. "Temos de pensar a longo prazo", sugere.
Sentindo a demanda mais retraída após o endividamento dos brasileiros bater recorde, Luiz Antônio baixou os preços dos sapatos, em média, em 30%. A promoção se consolidou e atraiu clientes a ponto de fazer o proprietário, a despeito da crise, pensar em abrir uma quarta loja este ano. Os franqueadores andam surpresos com o desempenho das unidades de Brasília.
O reposicionamento da marca, ampliando o público-alvo, pontua Luiz Sérgio, o ajudou a ver a crise de outra forma. "Quando surge a dificuldade, não dá para continuar fazendo as mesmas coisas. É preciso sair da zona de conforto", analisa. A instabilidade econômica favoreceu as conversas com fornecedores, que têm cobrado, inclusive, preços de 2014, para desovar a produção. (DA)
Avanço
O setor de franquias faturou R$ 127 bilhões em 2014, registrando crescimento de 7,7% na comparação com o ano anterior, segundo a Associação Brasileira de Franchising no Centro-Oeste. Mais de 11 mil unidades foram abertas e 239 marcas entraram no mercado. Para 2015, mesmo com a economia encolhendo, a associação estima avanço entre 7,5% e 9%. O número de marcas deve aumentar 8% e o de novas unidades, entre 9% e 10%. "Geralmente, as franquias são as últimas a entrarem e as primeiras a saírem das crises", diz Claudio Micielli, diretor da associação no Centro-Oeste.
As dificuldades ensinam
As projeções de um 2015 difícil não intimidaram o nutricionista e empresário Júlio Aquino, 42 anos. Com o consultório recentemente ampliado, após um investimento de cerca de R$ 400 mil - incluindo a aquisição de equipamentos ultramodernos -, ele tem agenda cheia até o fim de abril. "Não senti a demanda cair", conta. O setor de estética, lembra ele, tem crescido na casa dos dois dígitos. Em um ano, Júlio pretende aumentar ainda mais o espaço onde recebe os pacientes. Após a nova expansão, os três funcionários de hoje não serão suficientes. "Crise é oportunidade", resume.
Quando os indicadores começaram a confirmar o quadro desfavorável da economia brasileira, a publicitária Fernanda Gomes, 22, já estava com o projeto pronto de abertura de uma loja de cervejas artesanais. Ela e a irmã, sócia no negócio, não voltaram atrás e inauguraram o ponto no fim de fevereiro. "Sabemos que estamos no caminho inverso", afirma.
As irmãs estão assustadas com a situação atual, mas se apegam à crença de que a bonança vai chegar. Até lá, o foco será entender melhor o público. "Há um certo receio. Claro que a gente fica com medo, mas percebemos que as pessoas são dispostas a pagar por aquilo que conhecem e valorizam, mesmo na crise", argumenta Fernanda.
Para não se angustiar com as projeções ruins de analistas, Fernanda tem sustentado o entusiasmo com a concretização do negócio familiar. "Queremos que a situação melhore o quanto antes. Quando a crise passar, já estaremos treinados", comenta ela, que, na calmaria, vislumbra investimentos em outras áreas.
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